Uma lembrança olhando a chuva

 

Assim como na Odisseia, minha terapeuta disse:

- Prepara um barco e traz teu pai de volta.

 

Então esses dias eu me preparei e disse tudo

o quanto meu pai foi a pessoa que mais amei.

Contei como todas as coisas mais importantes

ou as mais divertidas foram com ele que aprendi.

 

Ele me ensinou a desenhar,

me levava para nadar com ele.

Me ensinou a jogar xadrez,

eu fazia esculturas de gesso e

pintávamos usando a tinta óleo que

usava para pintar os quadros dele.

 

Eu amava quando subíamos para o quartinho em cima da casa da minha avó

e usávamos os materiais de desenho dele. Na minha cabeça era um mega ateliê.

(devia ser um quartinho com um monte de sucata)

Meu pai foi meu maior herói.

 

Que saudade do sentimento "não havia nada que meu pai não sabia".

todas as coisas mais diferentes na minha rotina era ele que me proporcionava.

Uma vez ele comprou dois desenhos numa banca de jornal

e deu um para mim outro pra minha irmã, para a gente colorir,

o objetivo era ele por num quadro.

(na época a gente não soube entender)

 

Todas as coisas que estimulavam minha criatividade

ou minha cognição eram sempre com meu pai.

Eu nunca joguei nenhum tipo videogame com minha mãe,

mas com meu pai, a gente até jogava Pokémon juntos

e discutia música brasileira.

 

Minha terapeuta ficou muda e em seguida disse:

- Sabe aquela sua amiga do trabalho, que te conhece há anos

e ficou surpresa quando qualquer dia desses você a contou

que você morava com seu pai e sua avó?

- A Ingrid? Disse.

- Isso! Sempre que você fala do seu pai, eu me sinto igualzinho a ela.

Eu até esqueço que você tem pai.

Gargalhamos juntos

e eu a consolei dizendo que a maioria das pessoas que

eu conheço também nem fazem ideia que tenho pai.

- Que tenho pai.

E lembrei da Odisseia: "quem me dera ser filho de um homem feliz"